A velha que mora em mim
- Manu Ferracciu
- 3 de jul. de 2023
- 1 min de leitura
Existe uma velha dentro de mim. Uma bem diferente da velha que eu gostaria de ser daqui uns anos. Ela resmunga, julga as coisas que eu gosto como apego, acha meu guarda-roupa um acúmulo de tralhas e sente muita raiva por toda uma vida não vivida. Ela me faz ter medo de envelhecer e enlouquecer.
Eu, aos 30 anos, me deparo com meu medo de não viver tudo que eu gostaria de viver exatamente assim: sentindo essa velha chegar.
Não é sempre, mas em períodos intensos ela cola junto. E quanto mais ela me aperta, mais eu me pareço com ela. O coque silencia meu cabelo, as cores das minhas roupas escurecem e meus afazeres de paz perdem a graça. Eu fico resmungona, e quero resolver tudo na base do “faça do meu jeito agora!”.
Ela persiste até que eu perceba que ela não é meu estado mais comum. Então, meio a contragosto, solto meus cabelos e me comprometo a ser jovem de novo. Me encho de brinco, vestido, cabelo ao vento. Danço na beira da praia, e ouço música dos anos 90 no último volume. Deixo o cheiro da vida que eu já vivi me tomar. E a velha vai dando espaço a mocinha de 30 anos cheia de memórias boas e ânsia por viver que de fato também sou.
E toda vez que ela some, eu me engano achando que ela nunca mais há de voltar. Só que essa certeza também atesta ela como uma breve loucura. E convenhamos, Clarice que me perdoe, mas metade de mim é loucura e a outra metade também.

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